AMAR DÓI?
Insistentemente ela andava pela casa de um lado para o outro, o peito imerso pela fumaça do cigarro, o pensamento inebriado pelo vinho que já passava da segunda garrafa, o rosto banhado em lágrimas que insistiam em cair e uma única certeza gritava em seu peito: AMAR DÓI.
Leonor é uma mulher que já amou com todas as forças da sua alma, porém isso lhe trouxe os maiores sofrimentos de sua existência. Prometera para si mesma nunca mais amar, pois de todas as convicções que tinha na vida, a maior delas é que o amor dói.
Certo dia saiu para comer uma massa e tomar um vinho no restaurante que ficava à beira mar, onde contemplava toda a beleza do mar em sua própria companhia. Com a taça na mão ficava hipnotizada olhando aquela imensidão que parecia tocar o céu.
- Posso fazer companhia à bela dama?
Leonor assustou-se com aquela voz forte e firme. Meio confusa ainda, olhou atônita para aquele homem alto, sorriso branco, lábios carnudos, bem vestido e falou tão baixo que as palavras quase não saíram de sua boca.
- Sim, fique à vontade.
_ Me chamo Vicente.
- Prazer, Leonor.
Os dois começaram a conversar e aos poucos começaram a fluir os sorrisos largos e gestos peculiares.
- Você pode me passar seu contato?
Disse Vicente com seu sorriso encantador. Leonor ainda relutou, mas entregou-se aos encantos do belo homem. Dias se passaram em que as mensagens eram constantes. Bom dia! Boa tarde! Boa noite! Como foi seu dia? Dormiu bem? Já tomou café? Já almoçou? Com estas pequenas gentilezas o coração de Leonor foi se enchendo da mais bela esperança e quando percebeu já estava rendida aos toques e palavras de Vicente.
Começaram a se encontrar com mais frequência, iam à vários lugares, comiam, bebiam, contemplavam o crepúsculo à beira mar, tomavam vinho e fumavam em frente à lareira nos dias frios, Vicente parecia viver cada dia como se fosse o último.
- Eu só posso estar vivendo um sonho, logo eu que havia me fechado completamente ao amor, logo eu que não confiava mais em ninguém, logo eu que prometi para mim mesma nunca mais amar. Vicente é o homem perfeito, alguém que veio me mostrar que é possível ser feliz, que é possível amar e ser amada, que posso sim ter alguém para dividir a vida.
Certo dia após beberem, dançarem e Leonor ter a melhor noite de sua vida, adormeceu nos braços de Vicente. Dormiu até tarde e quando acordou, percebeu que Vicente não estava mais na cama, levantou-se, chamou seu nome, mas o silêncio se fez. Percebeu que havia algo deveras estranho, não viu nenhuma de suas roupas, nem de qualquer coisa que anunciasse sua presença naquela casa.
Desesperada, Leonor pegou o telefone e se deparou com a mensagem: Me perdoe, mas não posso ficar. Ligou, mandou incontáveis mensagens e mais uma vez o silêncio se fez. Assim sucederam-se os dias. Nenhuma notícia, nenhum vestígio. Vicente foi embora e levou consigo cada pedacinho da alma de Leonor. Ela nunca entendeu como aquele homem que lhe deu o mundo, pôde destruí-lo sem olhar para trás.
- Eu fui abrigo para os sentimentos mais doces, amei de novo com todas as forças que ainda me restavam, entreguei meu corpo, meu coração, meus desejos, fantasias, sonhos, para alguém que, destruiu tudo em uma única noite. Essas lágrimas que agora molham minha face e regam essa dor no peito, essa fumaça que invade meu pulmão, esse vinho que embriaga meu sofrimento, serão testemunhas de que nunca mais voltarei a amar, porque amar dói, sim, amar dói e dói muito.
Leonor nunca entendeu a partida de Vicente, nem poderia, pois já eram meses sem nenhum rastro, por menor que fosse. Certo dia, enquanto descansava, ouviu batidas na porta, era o carteiro, entregou-lhe uma carta e saiu.
- Quem ainda manda carta nos dias de hoje? Não bastava uma mensagem?
Sem dar muita importância, abriu o envelope e começou a ler a carta.
- Minha bela Leonor, se está com esta carta em mãos, eu já não estarei mais entre os mortais, terei partido desta vida. Preciso que você saiba que me proporcionou os melhores e mais incríveis dias de toda minha existência. Jamais imaginei que Deus me apresentaria uma pessoa tão doce, tão encantadora como você. Vivi meus melhores dias ao seu lado, cada milésimo de segundo foi como mil anos, eu te amei com todas as forças que ainda me restavam, não conseguia imaginar um dia da minha vida sem o teu toque, o teu cheiro, o teu abraço, as risadas demoradas, o aconchego do teu colo, as conversas divertidas, as taças de vinho, nossas músicas, nossos dias, nossa vida.
Deve estar me odiando nesse exato momento, sei que reabri todas as tuas feridas com mina ausência. Com certeza se arrependeu de acreditar no amor novamente, chorou amargamente e decidiu nunca mais amar. Minha bela Leonor, não tive outra escolha, parece injusto, mas a única escolha que a vida me deu foi me afastar de você, mesmo com o peito rasgado de dor, mesmo com o desejo descomunal de permanecer, te deixar foi meu maior ato de amor enquanto vivi.
Quando te conheci, estava doente, uma doença em estágio terminal. Não poderia deixar você me ver em dias de crises, por isso tantas vezes inventei viagens de trabalho e outras desculpas que você demorava a aceitar. No dia que sai da sua casa, estava quase morrendo, fui hospitalizado, passei vários dias vegetando e não permiti que te contassem, meu desejo era que sua última imagem de mim fosse daquele homem forte e cheio de vida. Não suportaria a ideia de te ver cuidando de mim em um estado tão deplorável de saúde. Te deixar foi te preservar de um sofrimento maior. Eu não te abandonei, eu te amei até minha respiração parar. Você foi a mulher mais amada desta terra.
Finalizo esta carta com as mãos trêmulas, quase sem forças, com as lágrimas molhando minha face e com sua imagem passando diante dos meus olhos. Essa fotografia é a memória que você deve guardar de nós, dos nossos momentos, do nosso amor. Te amarei até depois do fim. Para sempre seu, Vicente.
Ah, ia esquecendo, realize meu último desejo: Não deixe de acreditar no amor, se permita recomeçar quantas vezes for necessário.
Leonor olhou aquela fotografia com um misto de dor e alívio. Sofreu ao saber a verdade e sentiu um estranho alívio em saber que não foi abandonada, mas amada ao extremo. A imagem dos dois contemplando o crepúsculo à beira mar, abraçados, ele com um sorriso indescritivelmente belo e ela com um semblante de extrema felicidade, seria sim eternizada em sua mente e em seu coração.
Leonor sentou-se na poltrona em frente à lareira, abraçou a foto e adormeceu ao despertar da aurora.