Aquela taça de vinho nunca parecera tão gostosa como naquela tarde em que Sol relembrava com serenidade os momentos dificéis porque passou na vida. Na varanda da casinha de madeira, no sitio da família, ela olhava aquele imenso e desafiador horizonte. Contemplava-o com um brilho intenso no olhar, e fitava sobretudo os girassóis. Ah! Os girassóis! eram os mais lindos, viçosos, sempre de frente para a luz. E, enquanto isso, sentia o cheiro da comida vindo do fogão de lenha.
Olhando a imensidão da fazendinha, as árvores dançando ao sabor do vento, a brisa beijando seu rosto, degustando a segunda taça de vinho, Sol cantarolava. Aquela dor que há tantos anos carregara na alma, já não existia mais, a ferida havia cicatrizdo. quem a via ali, no bucolismo do campo, com a simplicidade e beleza de uma flor, não imaginava quantas dores sofreu.
Sol casou-se muito jovem ainda, tivera três filhos lindos. hoje já são bem crescidos. Nikolas, seu marido, era um bom homem. Muito dedicado, pai de familia exemplar, sempre preocupado com o bem estar dos seus. Durante anos acreditou que seu casamento era perfeito, mesmo com todas as imperfeições dos mortais. Ela sempre fora uma mulher muito doce, singela, esbanjava amor e empatia. O que Sol não imaginava, era que o destino lhe daria um golpe que transpassaria sua alma.
Certo dia Sol saiu para trabalhar, mas no meio do caminho percebeu que havia esquecido a bolsa dos documentos. Voltou para buscá-la. Quando entrou no quarto, se deparou com a cena que mudaria sua vida para sempre. Ela paralisou. Empalideceu. sentiu uma brasa consumir seu coração. Uma espada atravessou sua alma, ao se deparar com Nikolas e sua melhor amiga, em sua cama, despidos e trocando juras de amor. Sol quase desmaiou, certamente seu espírito abandonou o corpo por alguns segundos.
Não! Ela não tinha palavras. Eles, atônitos não conseguiram pronunciar uma letra sequer. As lágrimas inundavam a face avermelhada de Sol. Nikolas, em um misto de desespero e surpresa emudeceu. Sua amiga, deveras assustada, vestiu a roupa e saiu correndo. Quase acertou a porta do quarto.
Sol moveu-se vagarosamente, olhou para Nikolas com os olhos vermelhos em sangue, com os lábios quase cerrados, balbuciou:
- Por que não me matou primeiro?